domingo, 11 de dezembro de 2011

Nos serviços de saúde, uma mulher que sofreu violência deve ter o seu "MOTIVO DE ATENDIMENTO" classificado segundo os critérios de:



 Violência física - para agressão física sofrida fora do âmbito doméstico, por exemplo: violências sofrida por trabalhadoras do sexo e por outras mulheres, não enquadrada como violência doméstica;
 Violência sexual - estupro ou abuso sexual, em âmbito doméstico ou público, podem também resultar em lesões corporais, DST's (Doenças Sexualmente Transmissíveis); gravidez indesejada e transtornos mentais. Cabe lembrar aqui a situação das meninas e adolescentes, vítimas preferenciais do abuso sexual, incesto e estupro familiar "Saffiotí ressalta que a questão é realmente grave. Seu trabalho mostra que 80% dos casos de abuso tem a menina como objeto. O abusador é, predominantemente, o pai consangüíneo e a faixa etária preferencial das meninas agredidas vai de 07 a 1O anos" (Grossi, 1994).
Violência doméstica - relembrando, é a agressão praticada por um familiar contra outro, ou por pessoas que habitam o mesmo teto mesmo sem relação de parentesco.
Diante de tais considerações, é necessário que nos serviços de saúde informatizados sejam criados códigos específicos para classificar e delimitar a violência. Já existe o código geral para violência, que é utilizado para qualquer tipo de violência. Tal código permaneceria para a violência física, independente do sexo, não enquadrada como violência sexual e nem doméstica. Necessitamos criar um código para a "violência sexual", e outro para a "violência doméstica".
Caso o "motivo de atendimento" não seja violência, de qualquer tipo, qualquer profissional de saúde (médico/a; enfermeiro/a; auxiliares de enfermagem; psicólogo/a; assistente social, etc.) que detecte que a mulher atendida sofreu violência, quer seja física, sexual ou doméstica, deverá comunicar o fato ao(à) profissional responsável pela condução do caso e solicitar a correção do "motivo de atendimento" no prontuário.
Nas instituições em que a ficha de atendimento (probtuário) é feita em computador, não basta apenas que risque ou modifique o "motivo de atendimento" no prontuário, mas é necessário também que solicite ao(à) funcionário(a) responsável o preenchimento inicial do prontuário (dados de identificação pessoal) que o faça também nos arquivos de computador. Tal conduta é absolutamente indispensável para que as nossas estatísticas sejam mais reais.
História completa e descrição das lesões. Médicas e médicos precisam estar conscientes de que um prontuário cujo "motivo de atendimento" e diagnóstico é violência física, sexual ou doméstica representa um documento de grande valor legal para as mulheres, pois trata-se do registro mais importante da violência sofrida, logo preenchê-lo adequadamente demonstra o grau de compromisso profissional no combate à violência, Portanto, o prontuário deverá ser preenchido com letra legível e conter a descrição exata das lesões e os encaminhamentos realizados.
O "quesito cor". É necessário que os serviços de saúde adotem o "quesito cor" um dado de identificação pessoal que precisa ser preenchido e considerado no diagnóstico e nas estatísticas de morbimortalidade. "No Brasil a classificação adotada atualmente é a do IBGE, que coleta como dado que permite a identificação racial, a cor da pele (quesito cor), através da auto-classificação, ou seja, "a pessoa entrevistada é quem 'escolhe' e diz 'qual é a sua cor' em uma constelação de cinco itens: preta, parda, branca amarela e indígena. A junção da população preta com a população parda é que possibilita definir população negra" (Oliveira, 1998).
Os serviços de saúde informatizados que não contemplam o "quesito cor", conforme especificações do IBGE, necessitam fazê-lo. A invisibilidade das populações ditas "não-brancas" nas estatísticas brasileiras é uma herança racista que precisa ser banida, portanto o recorte racial da violência é um dado essencial para o combate às práticas racistas.
Porque, Quando, Como e para Onde encaminhar
Ao diagnosticar violência doméstica, seja firme e solidário(a). Oriente a mulher "a fazer valer" os seus direitos. Apresente-lhes caminhos que possibilitem quebrar o "ciclo da violência". No entanto, nem sempre você encontrará receptividade. Seja tolerante e não imponha o que você considera a "conduta certa". Mesmo considerando que a mulher em situação de violência encontra-se em condição de vulnerabilidade, cabe exclusivamente a ela decidir o que fazer. Respeite o direito dela à autonomia! Apenas faça a sua parte, sobretudo saiba encaminhá-la adequadamente e com presteza.
Os encaminhamentos, internos e externos, devem ser por escrito e registrados no prontuário. Em casos de violência contra a mulher, um documento médico adequadamente preenchido, como o prontuário, é um testemunho que serve para combater a impunidade e pode salvar vidas!

Lembre-se: você é responsável pelo conteúdo de um documento valioso para a saúde e a vida das mulheres e que a omissão, a exemplo do silêncio e da impunidade, é cúmplice da violência!

 
Referências Bibliográficas
BRITO, Benilda Regina Paiva. MULHER, NEGRA E POBRE: a tripla discriminação. Teoria e debate, ano 10, No. 36, out/nov/dez 97, p 19-23.
CARNEIRO, Sueli. Eixos articuladores da violência de gênero. Texto apresentado no Seminário Nacional Palavra de Mulher: revisão em torno das questões da violência doméstica, organizado pelo Benvinda - Centro de Apoio à Mulher, PBH, MG, 09/98.
GROSSI, Miriam Pilar. Violência de gênero: uma abordagem antropológica. Seminário Nacional A Violência Contra a Mulher. Documentos Fórum 2, SP, SP, 30 e 31/05/94.
JOFILLY, Olivia Rangel. Eixos estruturadores da violência. Texto apresentado no Seminário Nacional Palavra de Mulher: revisão em torno das questões da violência doméstica, organizado pelo Benvinda - Centro de Apoio à Mulher, PBH, MG, 09/98.
LOPES, Marta Júlia Marques; MEYER, Dagtnar Estermam; WALDOW, Vera Regina (org.). Gênero e Saúde. Série Enfermagem, Editora Gráfica Metrópole S. A. (s/d).
"Mulheres Espancadas: protocolos de tratamento na rede de saúde", baseado no artigo de Wendy K. Taylor e Jacquelyn Campbel integrantes da Rede de Enfermagem sobre Violência Contra a Mulher, publicado na revista Response, 81, vol 14, No. 4. Republicado no Brasil no livro Violência Contra a mulher uma questão de Saúde Pública, p 77 a 80, Sub-Regional Brasil da Rede Feminista Latino-americana e do Caribe contra a Violência Doméstica, Sexual e Racial, 1997.
OLIVEIRA, Fátima. Oficinas Mulher Negra e Saúde, Mazza Edições, 1ª edição, 1998.
RUFINO, Alzira. Introdução do livro Violência Contra a mulher uma questão de Saúde Pública. Sub-Regional Brasil da Rede Feminista Latino-americana e do Caribe contra a Violência Doméstica, Sexual e Racial, 1997.
SAFFIOTI, Heleieth I. B. Violência de gênero: entre o público e o privado. Presença da Mulher, No. 31, p 23-30; e Violência doméstica: do privado ao público. Presença da Mulher, No. 32, p 29-37.
VIGARELLO, Georges. História do Estupro: violência sexual nos séculos XVI-XX, Jorge Zahar Editor, 1ª edição, 1998.
Violência Doméstica e Direitos Humanos das Mulheres. CFEMEA - Centro Feminista de Estudos e Assessoria. Brasília, DF, janeiro de l998.

Postado por: SORAIA BERTONCELI

Nenhum comentário:

Postar um comentário