Raça não é um conceito biológico. Witzig(1996) em artigo publicado em
periódico de saúde, assinala que apenas 0,012% das variações genéticas responsáveis por diferenças entre humanos podem ser atribuídas à raça.
Ainda assim sua vitalidade como conceito sociológico e político é reiterada por sua presença nas diferentes esferas da vida social, cultural e política dos diferentes povos e nações.
Utilizada como categoria de hierarquização social, a raça – e mais precisamente, o racismo, ideologia associada - tem sido discutida por países e organismos multilaterais vinculados a Organização das Nações Unidas. De fato, se por um lado o conceito carece de definições precisas, por outro afirma sua operacionalidade na produção de desigualdades que afetam diferentes grupos humanos em diferentes partes do mundo e não somente no Brasil.
Para Maria Inês Barbosa,a definição e utilização do conceito raça abriga um histórico de constituição da dominação dos homens brancos ocidentais sobre o resto do mundo. Recorrendo ao pensamento de Edward Said, a autora
demonstra o viés constitutivo da identidade ocidental enquanto atributo patriarcal e classista, que está na gênese dos processos de fundamentação das idéias de supremacia branca. Reconhecendo também sua operacionalidade no caso brasileiro atual. Ao vincular-se de forma intrínseca à hierarquização, à injustiça e à desigualdade, o conceito de raça implica necessariamente numa conexão com o conceito de racismo e com os processos de dominação e inferiorização resultantes. E expande para o terreno simbólico, das representações, sua persistência.
Um conjunto já expressivo de estatísticas e outras informações à disposição da sociedade tem sido suficiente para demonstrar a operacionalidade de raça e racismo no Brasil e na América Latina. Ao mesmo tempo em que apontam para a centralidade com que o conceito deve ser trabalhado nas diferentes frentes voltadas para a produção de eqüidade e justiça social. Um dos aspectos mais explicitados na coleta dos dados raciais é a capacidade do racismo de impedir ou diminuir o acesso de negras e negros, e em diferentes intensidades os demais grupos raciais e étnicos não-brancos, aos direitos humanos (vistos na perspectiva DHESCA). No entanto, muitas vezes este quadro de injustiça apresentado tem sido interpretado (por equívoco ou por vinculação ativa ao mito da democracia racial) como conseqüência da pobreza.
Gênero tem sido, tanto no Brasil, como na maioria dos países do mundo, um dos mais importantes conceitos e ferramentas para a explicitação da vigência de desigualdades no interior das sociedades e nações. De fato, é através da utilização do gênero como marcador das relações sociais e balizador do combate às desigualdades que medidas de reformulação das estruturas sociais e estatais têm sido propostas e empreendidas, especialmente a partir da década de 70 do século passado.
Esta ascensão das lutas pela igualdade de gênero aponta para o vigor da mobilização social desenvolvida ao longo do século XX no ocidente (mas que tem início no século anterior), de ampliação da participação das mulheres na vida pública, especialmente as mulheres brancas na Europa e Estadas Unidos. São exemplos desta mobilização a luta pelo direito ao voto, pelo direito ao controle da sexualidade e da fertilidade e pelo direito à participação no mercado de trabalho formal.
A hegemonização do conceito de gênero e as lutas por eqüidade a ele associadas apontam também para sua incorporação em diferentes estruturas estatais e multilaterais nas diferentes partes do mundo, oferecendo um ambiente supranacional (internacional) de estímulo e suporte à tomada de decisões por parte de gestores públicos nos diferentes níveis.
Por outro lado, este vigor assinala também a vinculação das lutas pela igualdade de gênero a estruturas de classe e raça também hegemônicas. As formas como as perspectivas de gênero e eqüidade entre homens e mulheres vêm sendo elaboradas e/ou disseminados não têm sido suficiente para confrontar, de modo incisivo ou aprofundado, os demais fatores envolvidos na produção de iniqüidades que atingem mulheres nas diferentes partes do mundo. O que permite alterações na estrutura social em relação à participação das mulheres, sem que confrontem privilégios vividos pelos ricos e pelos brancos, conforme vêm apontando as organizações de mulheres negras no Brasil ao longo dos anos.
Ou seja, permitindo a transformação das condições de vida e de acesso à igualdade de direitos a uma parcela ainda minoritária de mulheres,
principalmente aquelas pertencentes aos grupos raciais, étnicos ou de classe
social dominantes. O que significa dizer que sua contrapartida é o reforço ao
racismo e demais fatores de exclusão social que transformam a vida das demais mulheres em violência e deprivação.
Vem daí muitas vezes um certo grau de atrito, de diferenciação e disputa, entre as perspectivas de gênero, em relação às ações vinculadas a raça e classe, para além dos conflitos que o anti-sexismo provoca. Ou melhor, é da situação vista como conservadora por movimentos sociais envolvidos com as causas antiracistas e a defesa dos direitos dos segmentos mais pobres da população, que conflitos tanto internos quanto externamente ao movimento feminista – e também no interior dos demais movimentos sociais fundados em raça e classe, quando confrontado com pautas de interesses das mulheres - foram deflagrados.
Pobreza não é um tema abordado direta ou especificamente pela Articulação de Organizações de Mulheres Negras. Ao contrário, é visão corrente no interior da AMNB que são as causas estruturais da desigualdade e espoliação, e não seus efeitos – entre eles a pobreza - que requerem atenção imediata e o expressivo investimento de recursos para o seu enfrentamento e superação.
Entre os diferentes fatores produtores de desigualdade, o racismo é apontado como o de maior participação no caso brasileiro e latinoamericano. Uma vez que, ao impor barreiras a negras e negros para o acesso a bens sociais e políticas públicas, restringe sua possibilidade de acumulação de riquezas através do trabalho. Riquezas e bens sociais que são deslocadas diretamente aos privilégios da população branca. Diferentes dados produzidos por diferentes centros de pesquisa demonstram a maior concentração de pobreza e indigência entre a população negra, mesmo quando se desagrega os dados por sexo. Ou seja, o principal diferencial de renda no Brasil coloca-se entre brancos e negros, independente do sexo. Assim, mulheres e homens negros têm renda mais baixa quando comparados a mulheres e homens brancos, conforme se verifica nos quadros abaixo, preparados a partir do trabalho empreendido por IPEA/UNIFEM em 2005: Proporção de pobres por raça.
Postado por: Poliana Verdam da Silva
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