quinta-feira, 28 de julho de 2011

PERSPECTIVA DE GÊNERO E RAÇA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS

O tema deste ensaio é a dimensão de raça nas políticas públicas. A primeira pergunta que deve ser feita é: Por que é importante falar de gênero e raça quando se fala de políticas públicas? Ou, em uma linguagem mais técnica, por que é importante introduzir, fortalecer e transversalizar a dimensão de raça nas políticas públicas?
Em primeiro lugar porque, no Brasil, as desigualdades e a discriminação de gênero e raça são problemas que dizem respeito à maioria da população. No caso brasileiro, quando nos referimos a gênero e raça não estamos falando de grupos específicos da população, ou de minorias, mas, sim, das amplas maiorias da sociedade brasileira. Isso não significa que a discriminação contra qualquer minoria possa ser justificada, mas que, no Brasil, esse problema claramente se refere à maioria da população. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2001, as mulheres correspondem a 42% da População Economicamente Ativa (PEA), e os negros de ambos os sexos a 44,5%. A soma de mulheres (brancas e negras) e homens negros corresponde a 55 milhões de pessoas, que representam quase 70% da PEA brasileira. Por sua vez, as mulheres negras, que representam um conjunto bastante especial nesse grupo, correspondem a 14 milhões de pessoas — quase 20% da PEA brasileira.
Em segundo lugar, porque, em qualquer indicador social considerado — educação,emprego, trabalho, moradia etc — existe uma desvantagem sistemática das mulheres em relação aos homens, e do conjunto de negros de ambos os sexos em relação aos brancos. Essa desvantagem é especialmente marcada no caso das mulheres negras.
O segundo tema importante a ser discutido é como essas duas questões — gênero e raça — podem e devem ser relacionadas. Esses dois temas têm estatutos diferenciados. No caso do Brasil existem, inclusive, movimentos sociais organizados — e diferenciados — em torno dessas duas questões: os direitos da mulher e o feminismo, e os direitos dos negros e o combate ao racismo. Trabalhar conjuntamente essas duas questões não é fácil, não é simples.
Pelo contrário, é um grande desafio.No Brasil, estamos vivendo atualmente um momento propício para trabalhar essa questão, a partir da criação, pelo Governo do presidente Lula, de duas secretarias especiais
vinculadas à Presidência da República. Uma delas encarregada das políticas para as mulheres e a outra encarregada das políticas de promoção da igualdade racial. Essas duas secretarias, e as suas respectivas ministras, têm muita consciência de que é necessário trabalhar em conjunto essas duas dimensões, e isso é muito importante.
As desigualdades e as discriminações de gênero e raça são duas formas fundamentais de discriminação que cruzam a sociedade e o mundo do trabalho no Brasil. São dois tipos de discriminação que não apenas se superpõem, mas se intercruzam e se potencializam. A situação da mulher negra evidencia essa dupla discriminação.
Examinando os indicadores do mercado de trabalho, o que observamos é que em alguns aspectos a discriminação de gênero é mais acentuada que a de raça, e em outros ocorre o contrário. Não se trata aqui de discutir qual desses dois tipos de discriminação é o pior.
Ambos são intoleráveis e têm de ser combatidos. No caso da mulher negra, uma forma de discriminação potencializa a outra.
Outro tema abordado nessa exposição é a relação entre a discriminação (de gênero e raça), a pobreza e a exclusão social. Muitas vezes essa discussão é feita separadamente: quem discute a questão da discriminação não discute necessariamente a questão da pobreza, e quem discute a questão da pobreza não está levando na devida conta as dimensões de gênero e raça. Existe, entretanto, uma relação muito forte entre esses dois problemas: as diversas formas de discriminação estão fortemente associadas aos fenômenos de exclusão social que dão origem à pobreza e são responsáveis pela superposição de diversos tipos de vulnerabilidade
e pela criação de poderosas barreiras adicionais para que as pessoas e os grupos discriminados possam superar a pobreza e a exclusão social.
A pobreza é heterogênea. Isso pode parecer óbvio, mas não é porque a maioria das análises e diagnósticos sobre a questão da pobreza, os indicadores em geral utilizados para medi-la, assim como as políticas públicas desenvolvidas para tentar combatê-la não consideram devidamente nem a dimensão de gênero, nem a de raça desses fenômenos.
A pobreza não é neutra. A pobreza tem sexo, tem cor, tem endereço. Isso significa que os fatores ligados à condição da família, ao ciclo de vida, ao sexo, à idade, à raça e à etnia,determinam formas diferenciadas de vivenciar a pobreza, e que determinados grupos da população são mais vulneráveis e têm uma dificuldade maior de superá-la. Há alguns processos e características que são comuns na pobreza de homens e mulheres, negros e brancos,mas existem outros que são diferentes e geram maiores dificuldades e desvantagens adicionais.
O sexo e a raça são os fatores que mais fortemente condicionam a forma pela qual as pessoas e suas famílias vivenciam a pobreza. No Brasil, os negros estão sobre-representados entre os pobres. Eles equivalem a 45,5% do total da população e a 69% do total das pessoas em situação de pobreza. Na mensuração da pobreza, é mais fácil ter dados desagregados por cor que por sexo, devido aos indicadores que freqüentemente são utilizados para medir a pobreza,que tomam em conta o rendimento familiar (a família é a unidade de análise, e as diferenças que existem no seu interior, entre elas a de sexo, não são devidamente consideradas).

FONTE: Laís Abramo (Especialista Regional da OIT em Gênero e Trabalho.)
Apresentação feita no Seminário Internacional América do Sul, África, Brasil: acordos e compromissos para a promoção da igualdade racial e combate a todas as formas de discriminação, Brasilia, 22-24 de março de 2004.

Postado por: Priscila Pavão Perim

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