Na Índia, no desespero por comida, tem gente enfrentando até mesmo uma fera das selvas: o tigre de bengala.
A
repórter Sônia Bridi vai à Índia, o país que em menos de 15 anos será o
mais populoso do planeta, e mostra que, no desespero por comida, tem
gente enfrentando até mesmo uma fera das selvas: o tigre de bengala.
Uma luta interminável com as forças da natureza. A estação das
cheias está chegando. E os moradores do maior mangue do mundo tiram
argila do leito do rio, na maré baixa, e constroem diques. E reforçam os
que já existem. Barreira de argila compactada, para enfrentar a fúria
da água e do vento. São quilômetros de diques.
Estivemos na Índia, nos Sunderbans, um emaranhado de ilhas,
território do temido tigre de bengala. Onde os rios Ganges e Brahmaputra
desembocam no oceano, a água salgada entra com as marés.
Um lugar que não parece feito para a vida humana. Mas quatro milhões de indianos arrancam desta lama o seu sustento.
No mundo 925 milhões de pessoas passam fome. A família humana precisa colocar água no feijão.
Nos Sunderbans, conter o rio é questão de vida e morte.
Acontece que quando a maré está alta, o nível da água já está
acima do nível da vila e dos campos com as plantações. Quando chegam as
monções, as chuvas fortes vêm também as tempestades. E se durante essas
tempestades o dique for rompido, a água salgada do rio pode invadir os
campos e matar todas as plantações.
E isso significa um ano de fome pela frente. Porque nessa parte
do mundo, quem não tem o que colher também não tem o que comer.
Em 2011, um tufão fez a água transbordar para dentro de uma vila, como uma onda gigante.
Uma mulher conta que nunca viu nada igual. Uma sobrinha correu
com o filho no colo procurando abrigo, mas foi derrubada pela água, que
levou o bebê.
Quando a enchente baixou, deixou a terra com tanto sal, que
poucos pés brotaram na lavoura de feijão, a principal fonte de proteína
na região.
O camponês se pergunta como vai alimentar os filhos, se a ilha
toda foi afetada e os vizinhos e amigos também estão contando os grãos?
“Aqui a gente não tem dinheiro, não pode comprar comida no
mercado”, diz uma mulher. “Minha sorte é que tenho só dois filhos”,
completa.
Dois filhos é o lema do programa de planejamento familiar do
governo para conter o crescimento populacional no país que 1,2 bilhões
de habitantes em uma área que é menos da metade da brasileira.
É a maior concentração de pobres do mundo. A maioria dos
indianos depende do que planta para comer. Três de cada quatro comem
menos do que precisariam para ter uma vida saudável.
E até 2025 a Índia terá ultrapassado a China e será o país mais populoso da Terra.
Do outro lado do mundo, o maior problema de saúde pública é
comida demais. Um norte americano consome em média o dobro de calorias a
que um indiano tem acesso.
Mais da metade da população dos Estados Unidos está acima do
peso. E engordando cada vez mais. A relação deles com a comida é bem
ilustrada em um buffet, em Las Vegas.
Por apenas US$ 30, o equivalente a menos de R$ 60, a pessoa pode
num espaço de 24 horas comer em qualquer restaurante da rede. Comer o
que quiser e quanto quiser. O resultado é que elas acabam comendo muito
mais do que precisam. Em média um 1,5 quilo por refeição. Quase cinco
quilos ao final das 24 horas - em café da manhã, almoço e jantar, e
lanchinho nos intervalos.
Os números no buffet são assustadores. Cem metros de balcão de
comida. Consumo diário de 250 quilos de purê de batata, 1500 ovos. Mais
300 quilos de carne só no balcão de grelhados. E 600 quilos de pata de
caranguejo.
O chef diz que é um desafio preparar toneladas de comida por
dia. Quero saber se as pessoas deixam comida no prato, e ele confirma.
300 a 400 quilos vão para o lixo todos os dias.
A fome que aflige um em cada sete humanos, não é por falta de alimentos.
“A fome é resultado da pobreza, da desigualdade e da miséria.
Não é um problema de produção”, afirma Renato Maluf, presidente do
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
A produção mundial de alimentos ainda dá conta. E evoluiu. No
Brasil mega empresas agrícolas mudaram a paisagem do campo. Plantamos e
colhemos com uma eficiência que não era nem sonhada há duas gerações.
Nelson Vigolo, 200 mil hectares de terra plantadas em Mato
Grosso, imagina o avô, pequeno agricultor do Sul, diante dessa
grandiosidade
“Se ele chegasse aqui e enxergasse tudo isso, visse tudo isso daqui, ele ia falar: ‘Oh, bando de louco’”, diz.
A loucura começou com o avanço sobre o Cerrado e a Amazônia.
A terra ocupada para agricultura e pecuária no Brasil mais do
que dobrou em 40 anos. A mecanização, os defensivos agrícolas e
fertilizantes, melhores sementes. Multiplicaram a produtividade. Foi a
revolução verde brasileira.
De onde há 20 anos eram colhidas duas toneladas e meia de grãos, hoje saem sete toneladas.
As colheitadeiras levam a soja, e outras máquinas vem atrás, plantando milho.
Em vez de uma safra, duas por ano, porque o ciclo entre plantio e colheita ficou menor.
Em constante crescimento de produtividade em cima da mesma área,
sem novas aberturas de áreas. E isso que contribuiu muito pra alimentar
o mundo.
De Mato Grosso para a China, principal consumidora da soja
brasileira. Nos anos 60, 30 milhões de chineses morreram de fome.
Mas a China enriqueceu e fez do mundo seu quintal para todo tipo de produto, do aço, aos alimentos.
O temor agora é o que vai acontecer com o preço da comida,
quando um 1,3 bilhões de chineses se sentam à mesa para comer bem.
O analista Arthur Kroeber diz que os chineses vão comer cada vez
melhor, com a dieta mais rica em proteína. E como eles não têm espaço
para produzir, vão importar, cada vez mais, carne a grãos.
O consumo sobe em vários países em desenvolvimento, e a população continua crescendo.
Até 2050 seremos 9 bilhões. O que significa alimentar três a
mais, contando o 1bilhão que já passa fome. E nós já usamos 40% da
superfície terrestre para plantar.
A solução mais fácil seria aumentar as áreas plantadas, mas no
mundo inteiro só sobraram terras que ainda estão cobertas por florestas.
E a gente sabe que a destruição das florestas aumenta o aquecimento
global e isso pode prejudicar a produtividade das lavouras que já
existem. Resta então aumentar essa produtividade. Mas ainda é possível
logo depois da imensa Revolução Verde?
“Talvez até haja um papel relevante para a engenharia genética.
Olha aqui um ambientalista falando isso. Mas além da ciência e da
tecnologia, nós vamos ter que mudar os padrões de consumo”, afirma o
economista Sergio Besserman.
Principalmente da carne, que é a que mais suga recursos
naturais. No mundo inteiro, quem pode pagar, come mais carne do que
precisa.
Mas a produção pode ficar mais eficiente também. O Brasil tem mais gado do que gente.
E, para alimentar o imenso rebanho, ocupa o dobro do espaço da
agricultura. Mas isso pode mudar. Basta fazer a produção mais eficiente.
O governo brasileiro já fez as contas: dá para reduzir para menos da metade a área ocupada por um boi no campo.
“Hoje em dia não é mais problema técnico, é questão de querer fazer”, alerta o secretário Arnaldo Carneiro.
Com o que já se sabe: melhoramento genético, boas pastagens e manejo.
“Com o conhecimento que nos temos hoje, acumulado e pronto para
ser disseminado, nos teríamos um ganho de produtividade na atividade
agropecuária com economia de terra. Poderíamos hoje, com a mesma área da
pecuária, dobrar ou triplicar a produção”, completa Arnaldo.
E diminuir a pressão sobre as florestas que são derrubadas para o gado entrar. E ainda aumentar o espaço para lavoura.
Mas também é preciso incentivar a produção local.
“Mais de 70% da alimentação do brasileiro vem da agricultura familiar”, afirma Renato Maluf.
De volta aos Sunderbans, lugar onde com frequência a lavoura não
produz, as redes voltam quase vazias. Mesmo que as mulheres raspem com
suas redes o leito lamacento do rio.
Susanta Mondal, pai de dois meninos entrou na floresta para tentar pegar caranguejos.
A mulher tentou impedi-lo. Conta que num sonho, a deusa da floresta avisou do perigo. Mas a família precisava comer.
Mondal ainda estava no barco quando o tigre atacou. Virou a embarcação.
Durante 25 minutos ele lutou contra o maior felino do mundo. Não
sabe como conseguiu escapar. Ficou semanas entre a vida e a morte.
Perdeu um olho. Ganhou marcas das garras que nunca sairão do seu corpo.
O desafio, no mundo todo, é encontrar o desenvolvimento sem
destruir o que resta da natureza. Que na maioria das vezes não ataca nem
se defende. Mas quando ela é derrotada, somos sempre nós que perdemos.
Fonte: http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1680596-15605,00-LOTACAO+ESGOTADA+MILHOES+DE+PESSOAS+NO+MUNDO+PASSAM+FOME.html
Postado por MSUL Priscila
